A Farsa dos Quilombos
João Bosco Almeida *
Sem fantasmas, tanques ou metralhadoras está em formação um latifúndio da ordem de 371 mil hectares, correspondentes a cerca de 3,4% do território do município de Oriximiná, um dos maiores do mundo em extensão de terras. O mecanismo pode estar numa brecha legal deixada pelos constituintes ao apagar das luzes, hoje diligentemente manipulada por grupos alienígenas em detrimento dos interesses locais da população oriximinaense, regados por uma boa dose de omissão dos governantes locais.
Interpretando
a seu favor o artigo 68 da ADTC, a Associação dos Remanescentes de Quilombos do
Município de Oriximiná – ARQMO, cumprindo à risca a cartilha da Comissão Pró-Índio de São Paulo, vem protocolando
e obtendo junto ao Instituto de Terras do Pará – ITERPA, grandes extensões de
florestas, verdadeiros latifúndios nas barbas das autoridades locais e
nacionais, apesar das legítimas contestações judiciais em andamento.
No ano de 1998
a ARQMO recebeu 85 mil hectares de florestas nativas na Área Trombetas em ato
suspeito de irregularidades, ora sub judice. Em 1999, mais 55 mil hectares na Área Erepecuru, afluente do rio
Trombetas, foram reconhecidos em favor dessa gente autodenominada de
quilombolas, um neologismo convenientemente criado pelos mentores da farsa,
visando caracterizar como remanescentes de quilombos negros que comerciam com
os nativos desde tempos imemoriais na rota caribe-trombetas-amazonas.
A questão transcende o sigilo das partes porque
ofende o interesse público de uma população não suficientemente informada do
golpe contra si desfechado. Escamoteado sobre o manto das minorias étnicas,
hoje verdadeiras ameaças para governos fracos e tementes a movimentos
populares, os processos de reconhecimento de alegadas posses de terras na
região recebem privilégios na condução por parte do ITERPA , em detrimento de outros processos particulares que
dormitam o sono natural do serviço público agrarista.
A anatomia da farsa revela um despreparo do
ITERPA e omissão das autoridades locais, de promotores a vereadores, passando
por prefeitos e deputados, que alertados sobre o assunto, de pronto hipotecam a
solidariedade populista e nada fazem de concreto. No ITERPA, apesar de
relatórios técnicos chamando à atenção para a realidade de não haver e nunca
ter havido quilombos no Trombetas, e sim pardos e brancos convivendo
familiarmente com os negros na região, os dirigentes não resistiram às pressões
da ARQMO via Comissão Pró-Índio de São Paulo, e laboraram na tentativa de fazer
parecer legal atos eivados de ilegalidades e lesividade ao patrimônio público.
Em recente
edital do ITERPA, já baseado em lei votada às pressas na Assembléia Legislativa
paraense ( Lei 6.165/98 ) há inusitado procedimento de AUTO-DEFINIÇÃO
QUILOMBOLA & AUTO-DEMARCAÇÃO objetivando a titulação coletiva mais
213.200,5797 hectares de terras no alto Trombetas para a mesma ARQMO, já
detentora 140 mil hectares de florestas na Área Trombetas e Erepecuru, terras contíguas que se concretizadas
a titularidade, haverá uma faixa de terras formando um cinturão verde com a
ponta iniciando na Cachoeira da Porteira, terminando na metafórica fivela do
rio Amazonas, a histórica Óbidos.
A lambada será no impedimento natural da
expansão agrícola do município de Oriximiná. A questão além de ofender os
interesses locais, abrange também os institutos agrários da nação, inovados
pela tese da titulação coletiva em nome de associações casuisticamente
formadas, quebrando um vínculo natural na tradição agrária brasileira que é o
título individual. É instituição nacional o lavrador receber seu documento de
propriedade, o seu título definitivo da terra. Fere de morte o ad referendum
do Senado Federal que deve opinar
sobre concessão de áreas acima de 2,5 mil hectares, pois não se admite a tese alegada de que a constituinte já
reconheceu estas áreas para os quilombos cabendo ao estado apenas proceder a
demarcação.
A norma
transitória constitucional exige, pelo menos dois requisitos essenciais aos
atos aqui analisados: a condição de remanescentes de quilombos e a ocupação da
área de terras por eles. Na exigência concomitante da ocorrência das duas
situações, sucumbem face às evidencias do contrário, da inexistência de
registros históricos de quilombos na região do Trombetas, resultando na
impossibilidade de haver remanescentes daquilo que não existiu.
Por outro lado, o raciocínio exige explicação
elementar para aceitar como regular e possível
que apenas 116 famílias estejam
ocupando 3.710.000 metros quadrados de florestas? E como ficam os mais de 2 mil
habitantes ribeirinhos que mesclam suas vidas no dia-a-dia com os ditos
remanescentes, sem a titularidade de suas terras ocupadas individualmente por
optarem não se associar à ARQMO?
Daí porque a
farsa dos quilombos não deve prosperar pela inexistência do elemento humano
caracterizado legalmente para ser beneficiário do direito ao reconhecimento e
ausência física de tal ente na área pretendida. Oriximiná nunca foi, nem é
terras de quilombos pois não ocorreu nestas paragens a crueldade dos tempos
coloniais como em Palmares e outros lugares na costa brasileira. Nossa gente é
caracterizada pela gentilidade dos nativos que miscigenados aos colonizadores
europeus formou a nação oriximinaense e convive com os negros, pardos, brancos,
índios do Trombetas sem discriminação.
De outra forma, se comprovados os direitos
dos nossos irmãos negros do Trombetas que se faça a justiça reconhecendo a eles
efetivamente as áreas por eles ocupadas, que não passa de algumas centenas de
hectares, posto que inseridos na sociedade, fazem indústria e comércio tal qual
nossas outras gentes, não se precisando
da diáspora trazida pelos estranhos índios de São Paulo.
A continuar a farsa dos quilombos daremos ao mundo
uma nova modalidade de aquisição da propriedade: o associativismo à ARQMO. Pois lá são disputados no tapa irmãos de
sangue não optantes pelo ingresso nos quadros da ARQMO, condição exigida para
receber a titulação coletiva ou seja, ser remanescente por associação, e ter
direito às terras do art. 68 do ADTC. Os nossos negros não são diferentes dos
negros da ARQMO...
*João Bosco Almeida é
advogado