Uma
Questão de Competência
João Bosco Almeida *
Quando
os legisladores quiseram dizer o que cada governante podia fazer nas suas
respectivas esferas de governo usaram o termo competência para delimitar
a ação de cada um no dia-a-dia da administração pública. Assim, diz-se que
alguém é competente ou não menos pela qualificação intelectual e tão só pela
matéria tratada na lei, pelo lugar onde fazer ou se ele mesmo pode praticar o
ato administrativo.
Para
os senadores e deputados, disse o constituinte que caberia aprovar,
previamente, isto é, antes de que se consolidasse qualquer ato, os fundamentos
de processos administrativos de alienação ou concessão de terras públicas com
área superior a dois mil e quinhentos hectares.
Esta
parece ser uma lição não aprendida pelos paraenses, especialmente aqueles no
comando do órgão público que diligentemente está formando um latifúndio de mais
de 400 mil hectares de terras públicas, para gáudio dos condutores de um processo
alheio aos interesses dos habitantes do município de Oriximiná.
Mais uma vez, o caso requer análise acurada,
isenta de ideologias ou crenças alhures da ecologia correta de fora, mas,
apenas pela causa do bom direito na defesa da soberania e cidadania do nosso
povo. A punição da ilegalidade do ato e da lesividade ao patrimônio público
pode não ser mais eficaz, posto que já lá se vão anos e recursos jogados
fora...
Na
interpretação dos atos administrativos, na doutrina, jurisprudência e pareceres,
não há guarida para abrigar tais heresias jurídicas. Dizer que tais diretrizes
estão autorizadas pelo Congresso Nacional via norma dos Atos das Disposições
Constitucionais Transitórias é gizar a lei às avessas. Não se admite a subsunção da hipótese autorizativa
pelos congressistas, pois da extensão da área não se cogitava, vez que o
atributo da antecipação da aprovação, invoca razões históricas que visam sanar
a prática malsã da formação de grandes áreas de terras nas mãos de
particulares.
Insustentável
argumento semântico não satisfaz a tese do não cabimento de remessa para
análise prévia, posto que não se trata de doação ou alienação, mas, apenas de
simples reconhecimento da propriedade dita imemorial. O próprio título da terra
reconhecida traz o germe da devolução caso não seja usada a área na forma das
cláusulas resolutivas. Ora, por que
devolver ao Estado se aquelas terras não lhe pertenciam???
Na função
social da propriedade sucumbem os argumentos daqueles ainda dopados pelos altos
teores ideológicos de plantão. A Lei nº 8.629/93 regulamenta o artigo
constitucional da racionalidade no uso da terra exigindo o atingimento do grau
de utilização da terra e eficiência na exploração específicos, dentre outros.
Entretanto, a
ausência de gente pode resultar num imenso vazio ecoando nas copas dos
castanhais, a ocultar o incremento da tensão social nos imóveis objeto da
demarcação entre irmãos de sangue forçados a optar entre “coletivos” e
“individuais”. Esta luta revela a
dissensão ideológica, o descompasso no atendimento das carências sociais, o
despreparo dos responsáveis pela decisão, que poderia ser evitado se a lei
fosse cumprida, posto que no Congresso Nacional não passaria tamanho absurdo!
O histórico status
social pela detenção da propriedade da terra, privilégio daqueles mais chegados
ao rei é móvel da ganância do atuais líderes que não param de demarcar mais
áreas, sob alegação da necessidade de áreas de perambulação... E os índios que
se cuidem, pois já há gestões no sentido de se buscar mais e mais áreas
públicas para saciar a fome dos organizadores do festival de terras
quilombolas.
Entre a
competência legal e aquela dita do bom senso, ainda é tempo de se evitar uma
bruta irracionalidade fundada na usurpação e omissão de funções entre as várias
instâncias do poder nesta nação. Compete a nós, meros mortais o uso da palavra
para buscar de volta às boas trilhas do estado de direito o respeito às leis e
costumes de um povo humilhado.
* Advogado em
Belém