6. A ÁREA DO TILHEIRO NA IMPRENSA

 

Asfaltamento ameaça tradição da
construção naval em Oriximiná

João Bosco Almeida

Famosa na Amazônia inteira e bastante procurada no passado pelos grandes armadores fluviais, a indústria naval de Oriximiná agoniza e pede socorro. A atual administração resolveu passar um cais de pedra na frente das últimas doze oficinas de construção e reparo naval que ainda teimam em abrir suas portas todos os dias. Na verdade, “vão fazer um muro entre as oficinas e a rampa lá no rio”, comenta Baranda, 73 anos, todos dedicados a essa outrora florescente atividade.

Baranda se diz indignado ao mostrar a marcação no poste do “barracão do Ary” - cerca de 80 centímetros acima do nível do solo -, para concluir: “Olha, eu sou tido como o teimoso, mas até agora, não foi dada nenhuma garantia de que nós vamos poder continuar a desenvolver nossas atividades aqui. Sim, porque estou ensinando estes jovens aqui, mas pra quê, se eles não vão ter onde trabalhar? Duca Silva, Isidoro Almeida e outros dos maiores construtores aqui de Oriximiná (se estivem vivos), lamentariam o que está acontecendo conosco aqui, sem ninguém para lutar pelos nossos direitos.”

A referência é sobre a topografia já marcada para elevar o nível da rua que será asfaltada. Com a passagem do asfalto da rua - 8 metros de largura - na frente das oficinas, todas elas, sem exceção, vão ficar num buraco, porque hoje trabalham no leito natural da margem do rio Trombetas. “Pior é que nós vamos ter que cercar todas as oficinas para evitar o roubo”, afirma Manoel Silva, 68 anos. Outro fator que chama a atenção é a segurança pessoal. O mesmo carpinteiro naval diz que, “hoje, com essa rua do jeito que está, tem acidente com motos aqui. Imagina com o asfalto”.

De canoa - Dionísio Silva, outro carpinteiro naval da área, diz que “não tem nada definido". O Argemiro (vice-prefeito) vem aqui e diz que vai ser assim e assado. Outro vereador fala pra lá. Mas nenhum deles é capaz de dizer claramente para nós o que vai ser. Só dizem que vão fazer uma rampa. Mas o problema é que não vamos mais poder trabalhar aqui, uma vez que vai ficar um muro de mais de 1 metro de altura na nossa frente. Imaginem que vamos ter que fazer uma canoa aqui dentro, depois levantar para passar pela rua asfaltada, para então chegar à rampa”.

Eles acham que toda essa indignação e desesperança podia ser evitada se houvesse mais diálogo entre a administração pública e os construtores navais. Afinal, a cidade não vive só de beleza plástica. Lá, na área dos “tilheiros” - como são conhecidas as oficinas onde se constroem as embarcações -, existem mais de 500 pais de família que de lá tiram o seu sustento. “Nessa época de desemprego no País, não podemos nos dar ao luxo de abusar da sorte”, informa outro carpinteiro naval.

O secretário municipal de Infra-estrutura de Oriximiná, Alfeu Carpegianni, disse que participou de uma reunião promovida pelo vice-prefeito Argemiro Diniz, vereadores e vários proprietários das oficinas. Segundo ele, ficou acertado que, na frente de cada oficina, será construída uma rampa com gaveta para acomodar os trilhos de cada “carreira”. Como o nível da pista asfáltica será elevado, o secretário reconhece que realmente, em cada oficina, vai ficar um “buraco” que terá que ser aterrado, tarefa de responsabilidade de cada um dos carpinteiros, avisa Carpegianni.

Mas o que preocupa mesmo os carpinteiros navais de Oriximiná é que não há verbas suficientes para a obra, segundo o que se comenta na cidade, uma vez que o orçamento foi contigenciado e pode ficar pela metade a construção do cais, não havendo nem o remanejamento prometido e muito menos o fim das obras. Até agora, não há nenhum estudo de impacto ambiental no caso do cais de Oriximiná, não há atas nem registros das reuniões, se é que houve alguma, do pessoal envolvido na paralisação das atividades no setor de construção naval na cidade. (publicado em O Liberal, 02.09.03)